segunda-feira, 15 de março de 2010

FIDELIDADE CRIATIVA AO CARISMA PAULINO (III)

 Expectativas das pessoas de hoje, os novos desafios e os sinais dos tempos
Não estamos alheios ao mundo de hoje no seu conjunto, aos problemas e às expectativas dos homens e mulheres do nosso tempo. Deve haver em nós, pelo  contrário, uma sensibilidade particular a este respeito, inseridos como estamos, através do nosso apostolado, no mundo da comunicação social. A missão paulina não é apenas para um grupo ou setor de pessoas:
“pelo contrário, dirige-se, utilizando os meios técnicos, de algum modo a todos: a todas as classes, castas, idades, condições, nações, continentes; com uma razoável preferência, às massas…” (UPS I, 372-373).
Consideremos, antes de mais, quais são os protagonistas da comunicação. Trata-se do homem no seu ambiente geográfico e histórico, na sua vida quotidiana. Não ignoramos, por isso, o fenômeno da mobilidade humana, os numerosos focos de guerra, de violência,  a dívida externa, a procura de melhores níveis de vida e não raramente de sobrevivência, que empurram muitos habitantes dos aíses pobres para os países ricos. É o fenômeno da imigração, que abrange um número crescente de pessoas.
Nos países do bem-estar assistimos, por outro lado, ao envelhecimento das sociedades  de antiga raiz cristã e à perda de grande parte dos valores e das certezas do passado,  que abrem as portas ao pragmatismo, ao indiferentismo, ao consumismo, ao individualismo e ao hedonismo  (cfr. Mensagem para o Dia Mundial de oração em favor da paz 2002, n. 4).
Lembrou-nos ainda João Paulo II os desafios que derivam:
- de um desajustamento ecológico que torna inóspitas e inimigas do homem várias áreas do planeta; dos problemas da paz, amiúde ameaçada com o espectro de guerras catastróficas;
- do vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de muitas pessoas, especialmente das crianças.
“São muitas as urgências, às quais o espírito cristão não pode ficar insensível. Um empenho especial deve ser colocado nalguns aspectos da radicalidade evangélica que amiúde são menos compreendidos, até tornarem impopular a intervenção da Igreja, mas que nem por isso podem estar menos presentes na agenda eclesiástica da caridade”.

O Papa faz referência específica ao dever do compromisso pelo respeito pela vida de cada ser  humano, desde a concepção até à morte, e ao dever de proclamar com firmeza que quantos utilizam as novas potencialidades da ciência, especialmente no terreno das biotecnologias, jamais podem esquecer as exigências fundamentais da ética. “Para a eficácia do testemunho cristão, especialmente nestes âmbitos delicados e controversos, é importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos da posição da Igreja, sublinhando especialmente que não se trata de impor aos não crentes uma perspectiva de fé, mas de interpretar e defender os valores radicados na própria natureza do ser humano. A caridade tornar-se-á então um serviço à cultura, à política, à economia, à família, para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais dos quais depende o destino do ser humano e o futuro da civilização” (cfr. NMI 51),
Meios
Considerando os meios do nosso apostolado, não devemos esquecer como as novas tecnologias e a nova linguagem revolucionaram o mundo da comunicação. A multimedialidade e a telemática, a iteratividade e a hipertextualidade requerem estruturas aptas.
Já não existe a unidirecionalidade da comunicação tradicional: sobre ela tinha-se estabelecido grande parte das nossas obras apostólicas.
Abrem-se para o apostolado novas fronteiras, que precisam, de nossa parte, de uma mudança de mentalidade, de atitude, de formação, de estruturas apostólicas adequadas ao ambiente social em que trabalhamos.
Conteúdos
Considerando finalmente os conteúdos, “pois se trata de tudo cristianizar” (UPS I, 373), devemos ter presente que a procura de liberdade e de autonomia fizeram que o homem contemporâneo se esquecesse da dimensão transcendente da existência, levando-o a uma consciência limitada de si mesmo e da própria sua história. Esta tendência é conhecida por secularismo. O neoliberalismo no mundo do trabalho, sobretudo no comércio, parece querer desarticular o próprio conceito de solidariedade, tão promovido pelo magistério social da Igreja no último século.
A escala objetiva dos valores, até agora desconhecida, parece ser substituída por  uma escala que parece privilegiar as sondagens públicas em vez dos próprios valores. Mas, juntamente com isto, e quase em contradição, a sociedade desenvolveu novos comportamentos religiosos e nova procura do sagrado, amiúde fora do cristianismo. É nesta direção que se situa o florescimento de novas seitas, o movimento new age,
nascido como alternativa ao deísmo das grandes religiões e ao ateísmo prático e ideológico. Aparece uma cultura light, instável e superficial, uma cultura do imediato, na qual tudo se torna produto de consumo, objeto de troca: o próprio matrimônio, o trabalho, a vida pessoal.
Estes elementos são um desafio e um compromisso para nós, chamados a evangelizar, no interior da cultura da comunicação. São “sinais dos tempos” que exigem uma interpretação e uma resposta à luz do Evangelho.
Um conhecimento apropriado do nosso Fundador levar-nos-á a reconhecer a importância que ele deu ao estudo da História e da Sociologia. O cumprimento da nossa missão específica requer forte sensibilidade e preparação sólida nestes dois campos.

1.3 Universalidade e inculturação no mundo da comunicação
“Sintamo-nos, como São Paulo e em São Paulo, devedores a todos os homens, ignorantes ou cultos, católicos, comunistas, pagãos, muçulmanos. A todos amamos. Para todos, o nosso apostolado” ( Regina Apostolorum, abril de 1951).
O impulso universal para a evangelização caracterizou desde o começo o pensamento e a obra do P. Alberione. A universalidade é característica genuinamente “paulina”, inspirada no exemplo e na obra de São Paulo,  o qual, com coragem e tenacidade, se dirigiu aos confins do mundo conhecido, não se deixando condicionar pelas dificuldades e sofrimentos.
Globalização e localização
O mundo de hoje muda. O próprio conceito de sociedade está em evolução. Vivemos e agimos para cima e para além de nossas fronteiras. Pertencemos a uma sociedade não fixa territorialmente, não exclusiva, mas aberta e inclusiva. Os meios de comunicação permitem contatos ativos, simultâneos e recíprocos entre as pessoas, ultrapassando as fronteiras de País, religião e continente. A abertura do horizonte mundial, intensificada nestes últimos anos, tem vários nomes: planetização, undialização, mundo em rede… Prevalece o de globalização, fenômeno que, partindo da economia, se alargou para o campo social e cultural.
Ao lado deste fenômeno, há em toda a parte a redescoberta das culturas locais. Se por um lado se procura uniformizar (globalizar), por outro redescobrem-se e defendem-se as características próprias do grupo a que se pertence. Em que medida tais fenômenos se refletem em nossa vida e em nosso serviço de evangelização?
“Catolicidade” = universalidade
A nota de ”catolicidade” é, para a Igreja, um apelo cada vez mais urgente para promover a autêntica universalidade (unidade na diversidade). À homologação das identidades, ela deve contrapor o primado da pessoa sobre qualquer outra escolha política ou econômica. O Espírito que a anima, impele-a a intensificar seus processos de inculturação e de encarnação na realidade local e seus laços de comunhão na realidade mundial. Na Igreja, assim considerada, e no contexto da sociedade mundial, a Vida Consagrada recupera um novo sentido e encontra também linhas de solução para os
novos desafios a enfrentar.
Torna-se necessário favorecer na Família Paulina uma mentalidade capaz de “agir localmente”, mas de “pensar globalmente”, isto é, catolicamente, tentando corajosas aberturas que ultrapassem a cerca do jardim ao lado e mergulhem no grande e fascinante mundo da comunicação.

Inculturação e comunicação
Se o uso dos meios de comunicação é importante para a pregação, é ainda mais importante evangelizar a cultura da comunicação:
“O empenho nos meios de comunicação… não tem apenas a finalidade de multiplicar o anúncio… é preciso integrar a própria mensagem nesta “nova cultura” criada pela comunicação moderna” (RM 37c).
Devemos compreender claramente que hoje “a comunicação não é o conjunto dos meios, mas é uma cultura; não é uma nova disciplina na formação sacerdotal e religiosa, mas uma nova inculturação da fé”. A inculturação é, para o cristão, um processo de evangelização através do qual a vida e a mensagem cristãs são assimiladas por uma cultura, de maneira a poderem não só exprimir-se através dos elementos dessa cultura, mas vir a constituir-se como princípio de inspiração, sendo ao mesmo tempo norma e força de inspiração que transforma, recria e relança essa cultura.
Assim se exprime o documento final do “Seminário sobre Jesus Mestre”:
“Para que os nossos contemporâneos possam crer livremente, a
evangelização tem o dever de mergulhar nas várias culturas, escolhendo o percurso da inculturação… Inculturar a espiritualidade paulina no processo comunicacional exige torná-la parte viva e consciente da cultura da comunicação, que está em contínuo desenvolvimento, sempre lançada em frente” (GMIOS 562-563).
Globalização e localização, catolicidade e inculturação são grandes desafios que nos interpelam. Não basta perguntar-nos: “que podemos fazer para mudar a realidade deste mundo?”, ou: “que podemos fazer para mudar a Igreja?”. Devemos, antes, perguntar-nos em que é que nós podemos mudar, quanto a mentalidade e também quanto a estruturas, para que a nossa Familia seja um lugar de vida e de evangelização para qualquer ambiente cultural.

1.4 Cultura e culturas: a importância do estudo e da preparação
Para a constituição inicial e o desenvolvimento contínuo da personalidade paulina, a cultura é antes de mais uma atitude de vida que valoriza ao máximo as próprias capacidades naturais e que se dota, com educação sistemática, de conhecimentos teóricos e competências operativas em vista da missão apostólica. Cultivada em perspectiva missionária, a cultura permite estar, antes de mais, em sintonia com os “homens de hoje”; da pátria de origem, do continente a que pertence e do mundo inteiro. Além disso, o ele coloca sua fé e sua preparação ao serviço da inculturação do Evangelho no mundo e na cultura da comunicação: anúncio explícito de Cristo e de tudo o que é humano numa visão cristã.

Padre Alberione escrevia:  “Nosso apostolado requer ciência. Antes, a ciência comum, depois a ciência dos meios de comunicação: por isso devemos chegar à redação não somente de livros e de periódicos, mas também dos outros campos do nosso apostolado: tal como a preparação de filmes, de programas para a rádio, a TV, o disco etc.” (SP, março de 1968).

O Fundador sublinha que não é suficiente possuir uma cultura rica de conteúdos, é necessária uma cultura que inclua também a competência nos meios expressivos utilizados; as exigências dos destinatários, as linguagens e as leis dos meios de comunicação pesam na escolha e na formulação dos conteúdos.
O empenho na missão paulina, que faz sua a ânsia de São Paulo de “fazer-se tudo para todos” (cfr. 1Cor 9,22), realiza-se hoje no contexto da comunicação intermedial e em rede, em cujo centro está o destinatário. A preparação cultural deve estar à altura das exigências da missão: uma “redação” que brota da escuta dos destinatários e do conhecimento da cultura da comunicação.
A Família Paulina considera meta do seu apostolado fazer com que o Evangelho se torne base para toda cultura e para todos os setores de cada cultura. Alberione, eloquentemente, fala da universalidade:  “Todas as questões e fatos julgados à luz do Evangelho… fazer sentir a presença da Igreja em cada problema: espírito de adaptação e compreensão por todas as necessidades públicas e privadas, todo o culto, o direito, a união da justiça e da caridade” (AD 65).
Juntamente com uma cultura ampla e sólida, precisamos conhecer ecompreender as várias culturas, a começar pelas da Nação onde servimos: história, língua, religião, sistema de governo, leis, instituição familiar, arte, tradições etc. Sem um conhecimento bem experimentado das culturas não se pode falar de inculturação e muito menos de interculturalidade.

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